quinta-feira, agosto 06, 2009

COM NOME E SOBRENOME

Outro dia estávamos, Lucio e eu, ministrando uma oficina-palestra para professores na UFF, sobre como e porque utilizar jogos em sala de aula. Falávamos sobre o processo histórico dos jogos como atividade humana nas sociedades em diferentes épocas, o que representavam, o que foi perdido quando o adulto deixou de jogar e brincar, porque isso se deu, enfim, explicávamos a pesquisa que consta em nosso livro para, a seguir, exemplificar com modelos práticos como utilizá-los na rotina diária das aulas.

Em determinado momento, levantamos a questão de que nós, profissionais de educação, ou da área que for, não devemos – em hipótese alguma – confundir nosso valor pessoal, bem como, o valor das atividades que exercemos com o salário que nos é pago por elas. Às vezes é difícil para as pessoas perceberem que são muito mais do que consta no holerite, visto que vivemos em uma sociedade na qual o poder de compra define, para muitos, o que eles são – classes consumidoras ABCDZ.

Alguns dos jovens professores-estudantes presentes não se mostravam muito convencidos de que não era assim na verdade, e que o salário era de fato, o grande motivador do profissional, o que, nesse caso, mostráva-se absolutamente insuficiente e insatisfatório.

Nessas horas, nada melhor do que um “causo” para ilustrar o argumento. Pois então, o que contei lá vou contar agora para vocês.

Há pouco mais de trinta anos, eu estudava no Colégio Pedro II, secção Humaitá. O colégio já havia perdido sua fama e excelência como centro reprodutor de conhecimento, e, na verdade, estava em plena decadência. Apesar disso, continuava sendo bastante procurado por ser um colégio federal, de ensino “gratuito”. Lá tive muitos professores, a maioria, esquecível. Dois, no entanto, me marcaram profundamente e são eles meus exemplos para o tópico em questão – somos muito mais do que uma cifra no final do mês.

O primeiro, era um homem alto, bronzeado, supostamente professor de geografia; sim, supostamente, pois ele entrava na sala de aula exigindo silêncio para que pudesse ler sossegado seu jornal de esportes. Para isso então, nos mandava ler e fazer os exercícios do livro, das páginas tais e tais, e isso era sua aula. O ano todo suas aulas foram assim.

A segunda, era uma mulher morena, ágil, vibrante, Professora de Comunicação e Expressão, seu nome: Maria Helena Godóy. É, lembro do nome e do sobrenome, impossível esquecer! Porque foi uma pessoa admirável, extraordinária, absolutamente comprometida com seu papel de educadora, de agente de transformação do mundo. Suas aulas eram concorridíssimas, frequentadas inclusive por alunos de outras turmas, porque o aluno sabe quando o professor realmente se importa pelo que está fazendo. O aluno sabe reconhecer o empenho, o entusiasmo, a dedicaçao do professor que não está ali apenas batendo ponto, burocraticamente, esperando a aposentadoria chegar; limitando-se a fazer sempre o mínimo”porque não lhe pagam para ser melhor”, para fazer o máximo, para a excelência.

Maria Helena Godóy era a professora mais querida, a mais aguardada, a que deu sentido às palavras, a que nos mostrou o poder da linguagem, a força imperiosa do idioma para a comunicação e para os relacionamentos. Ela me ensinou a amar os tempos de verbo, que antes apenas decorava, bem como a reconhecer valor em textos que pareciam maçantes, dando-lhes contexto e significados. Ela estava sempre tão presente, tão brilhante, tão envolvente, tão viva, que em suas aulas agigantava nossas mentes, a sala de aula, as paredes e os bancos que depois, sem ela, retomavam sua opacidade vencida.

A Professora Maria Helena Godóy lecionava no mesmo colégio que o outro; tinham idades semelhantes e provavelmente o mesmo tempo de magistério, entretanto, ela sabia que valia muito mais do que recebia no contra-cheque ao fim do mês. Ela sabia de si mesma, de sua paixão, de seu papel de poder em sala de aula. Ela valorizava a si mesma e a nós, ao seu tempo e ao nosso, a sua mente apaixonada e a nossa que tanto precisava daquela paixão. Por isso lembro – nome e sobrenome. À Professora Maria Helena Godóy minhas saudades e eterna gratidão, porque ensinou-me mais, muito mais do que letras e palavras, ensinou-me o valor de ser presente, por inteiro, e isso não cabe em nenhum contra-cheque.

Lucia Vasconcellos Abbondati

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