sábado, abril 07, 2012

ÁLBUM DE FIGURINHAS COMO FONTE DE CULTURA

Quando eu era jovem, numa época onde a internet sequer havia sido pensada, obter informação era um luxo nem sempre acessível. Descobrir o que o mundo tinha a oferecer, que lugares fascinantes apresentava ou como as coisas aconteciam e funcionavam, eram perguntas difíceis de responder.

Livros raramente eram encontrados na fartura que temos hoje nas livrarias e mesmo se existissem, frequentemente custavam preços proibitivos para as finanças de meus pais. As bibliotecas públicas e dos colégios demoravam décadas para atualizar seus acervos, o que levava a nossa curiosidade a ser saciada através de centenas de perguntas às pessoas certas, que no caso compreendiam as que combinavam conhecimento e paciência para nos responder.

Os álbuns de figurinha entraram em minha vida exatamente neste cenário, cumprindo o papel de trazer conhecimento e ilustrar o que havia acontecido no mundo. O problema é que colecioná-los não garantia completá-los, pois o dinheiro para isso nem sempre estava disponível para abrir pacotinhos a toda hora. As que eram fabricadas na época, não eram auto-adesivas nem apresentavam imagem fotográfica, mas isso compensávamos com um bom tubo de cola polar e muita imaginação. Ainda que fossem assim, estas eram desenhadas por ótimos ilustradores, que reproduziam com um traçado hiperrealista, o conteúdo previsto pelo tema.

Lembro-me com carinho de vários deles, principalmente os que eram confeccionados pela Bruguera, vinculada a editora Íbis de Portugal. Seus álbuns preenchiam os claros em meu conhecimento, despertando em mim a paixão pelo aprendizado. Dentre os exemplos que ela publicou, alguns se tornaram marcantes para mim:

BANDEIRAS E UNIFORMES foi um deles. Ilustrava os pavilhões dos diversos países do mundo, um pouco de sua história e costumes, além é claro, da parte que mais fascinava os meninos como eu, que brincavam com soldadinhos de plástico – uniformes militares de todas as épocas e países. Colecioná-lo, pelo menos para mim que tinha pais ralando no dia a dia, era quase impossível, pelo custo que impunha para ser completado, mas sendo eu um garoto que podia improvisar, vislumbrei uma saída que acabou funcionando. Eu era muito bom jogando bolinhas de gude e sabia disso. Já meus colegas, não jogavam tanto assim e muitos deles colecionavam o álbum, dispondo de centenas de duplicatas. Eu aproveitava a hora do recreio no tradicional colégio Maia Vinagre e partia com minhas bolinhas nos bolsos para o pátio de terra, a fim de desafiar quem lá estivesse para um jogo de búlica (três buracos no chão, aos quais você tem que acertar sucessivamente com as bolinhas, atingindo as dos demais competidores de forma a capturá-las). Ao findar cada manhã com bolsos cheios pelas vitórias, eu olhava os maços de duplicatas que meus colegas portavam e perguntava aos derrotados se não gostariam de reaver suas bolinhas perdidas, em troca das figurinhas repetidas que sobravam em suas mãos. E assim fui eu, obtendo de 10 a 20 figurinhas por dia para encher meu álbum com as que me faltavam, até que eu o completasse.

MARAVILHAS DO MUNDO foi outro, que no Brasil trazia um “plus” em relação ao publicado em Portugal, onde era vendido em duas partes distintas “Maravilhas da Natureza” e “Maravilhas feitas pelo Homem”. Aqui, estes compunham uma única obra.

Através dele e de minha imaginação, pude viajar sem sair do lugar para países exóticos e distantes, museus e em alguns casos, até atravessar o tempo em direção ao passado, observando prédios que não mais existiam, como o túmulo de Mausolo (que deu origem à palavra mausoléo); o Farol de Alexandria; o Colosso de Rodes, os Jardins suspensos da Babilônia e muitos outros. Nos museus, observei o enorme meteoro que havia caído do céu, a estátua da Vitória da Samotrácia (que se encontrava no Louvre) e nas maravilhas naturais descobri que haviam glaciares, a Torre do Diabo, as gigantescas árvores sequóias e tantos outros nomes e lugares, que me levaram a descobrir que o mundo era muito mais vasto do que era possível enxergar em minha cidade natal.

Tal como o Bandeiras e Uniformes, este também ganhou uma história, assim como todas as coisa marcantes que desfrutamos na vida, afinal, objetos são apenas coisas sem sentido, até que alguém acrescenta a ele alguma vivência e o torne parte de seu enredo de vida. Um de meus tios era um bon vivant que sabia apreciar as boas coisas que a vida oferecia e que namorava uma moça muito gentil e paciente, que costumava conversar comigo todos os domingos. Ela comprava o jornal O Fluminense, que justamente nestes dias, ostentava em suas páginas, um concurso em que trazia pequenos fragmentos de fotografias de vários prédios do mundo, dando apenas uma pequena pista de sua origem. Eu, curioso, olhava as fotos e através do que vira em minhas figurinhas, comecei a perceber similaridades entre estas e os prédios ali descritos. Ela então, perguntou-me se eu seria capaz de identificar a origem de cada pista publicada, para que ela pudesse concorrer ao prêmio oferecido; um tour pelos vários países da Europa (crianças não podiam concorrer, infelizmente). E assim eu o fiz, levando-a a ganhar o concurso, demonstrando que meu álbum tinha seu valor!

Já com outro, NOSSO MUNDO, descobri o que cada país produzia, seus trajes típicos, sua morfologia e localização, além de seus animais, hábitos e comidas típicas características. Este eu até consegui comprar os pacotinhos, mas o raio da figurinha 59 não saia de jeito nenhum! Foi então que um dia, já estudando no Colégio Salesianos e me preparando para voltar para as aulas após o recreio, descobri um garoto de outra turma com um maço de duplicatas em mãos, se dirigindo à sua sala. Perguntei se podia olhar seu bolo e qual não foi minha surpresa, pois bem em cima em suas mãos, encontrava-se ela, a famosa “figurinha difícil”. Surpreso com a minha euforia e pelo tempo que eu disse procurá-la, ele comentou que aquela era uma das mais comuns e que a toda hora ele a retirava dos pacotinhos. Mostrei-lhe então minhas duplicatas para a troca e ele me disse que tinha todas, desinteressando-se de imediato. Foi então que aprendi várias lições que levei para a vida:

- O que consideramos difícil, é apenas uma questão de perspectiva, pois para outra pessoa, pode ser uma trivialidade facilmente obtida.

- O que nos separa da obtenção de algo que desejamos, depende muito de nossa persistência na busca e principalmente, da disposição de negociar com quem pode nos fornecer o que procuramos. Tudo na vida é negociação; uma questão que pode ser resolvida pela descoberta do que interessa ao outro, de forma a poder oferecer vantagens equilibradas, que levem ambos a obter o que procuram.

E assim eu o fiz com a 59, oferecendo todo o meu maço de duplicatas sem valor, pela única que poderia completá-lo. Na troca, ofertei-lhe a possibilidade de duplicar o número de figurinhas que poderia utilizar para barganhar com outros, de forma que este aumentasse suas chances, enquanto ele me permitiria o triunfo de conseguir minha coleção completa.

Ao folheá-los hoje, tão diferentes dos inconseqüentes álbuns da atualidade, lembro-me do processo que me levou a completar cada um deles, despertando o meu lado inquiridor, na busca de mais conhecimento. E é com carinho, que percebo que o aprendizado reside apenas onde o estímulo à curiosidade e o interesse habitam. Propiciá-lo, é essencial.

Lucio Abbondati Junior

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